Maternidade

O parto mais difícil do mundo

Se você acha que parir é difícil, é porque não conhece o parto das hienas. E não é somente o parto que é bizarro nessa sociedade. Para começo de conversa, as hienas-malhadas fêmeas são dominantes em relação aos machos, além de serem muito mais musculosas e agressivas. Além disso, as fêmeas têm uma genitália muito parecida com a masculina, chamada de pseudo-pênis – na verdade a genitália é tão parecida que durante muito tempo acreditava-se que as hienas eram hermafroditas. Os machos precisam de muito treinamento para conseguir acasalar – o clitóris da fêmea pode chegar a 18 cm e muitas vezes é mais longo que o pênis dos machos). Acasalar não é tarefa fácil para a fêmea também, já que o pênis do macho é espinhoso, o que deve tornar o ato extremamente desconfortável.

Se o acasalamento teve sucesso, o sofrimento não chegou ao fim. Cerca de quatro meses depois, os bebês hienas precisam nascer através do… clitóris da fêmea. Parir pelo clitóris é tão complicado que até 60% dos bebês morrem durante o processo.

Depois do parto ainda vem a amamentação. Os bebês hiena podem mamar até cerca de 18 meses – um período bem superior ao de outros mamíferos carnívoros. A “introdução alimentar” deles começa por volta dos cinco meses, mas a amamentação ainda persiste (como nos humanos).

Os culpados por isso tudo são os hormônios andrógenos. Um dos possíveis mecanismos propostos até o momento funciona assim: as fêmeas mais dominantes do clã (chamadas de fêmeas-alfa) liberam uma alta dose de testosterona para o feto no final da gestação. Essa testosterona é derivada os ovários maternos e da placenta, e chega até o feto através da umbilical. Para testar a hipótese de que a produção placental de testosterona é causa da androgenização dos fetos de hienas, cientistas trataram hienas-manchadas gestantes com flutamida (uma droga bloqueadora do receptor de andrógeno) e finasterida (aquele medicamento usado para prevenir a calvície, que age prevenindo a conversão da testosterona em di-hidrotestosterona, o hormônio). Com o tratamento, a genitália dos machos e das fêmeas foi “feminilizada”, mas as bebês hienas ainda mantiveram algumas das características masculinas – sugerindo que outros mecanismos adicionais podem colaborar para a formação do pseudo-pênis feminino.

Receber uma alta dose de testosterona durante a gestação torna os filhotes mais agressivos e aumenta suas chances de sobrevivência. Se o feto for um macho, ele será mais agressivo e começará a tentar acasalar mais cedo e terá mais tempo de prática – aumentando as chances de sucesso no futuro. Se o feto for uma fêmea, ela estará fadada a ter um pseudo-pênis, mas também terá mais chances de tornar-se dominante no futuro. Ou seja, fêmeas-alfa geram fêmeas-alfa e machos bons reprodutores. Apesar dessa aparente vantagem, o custo reprodutivo da androgenização das hienas é muito alto e em grande parte dos casos é pago com a própria vida. No fim, devemos agradecer por termos nascido humanos!

Referências dos artigos científicos para saber mais:

Höner OP et al. Female mate-choice drives the evolution of male-biased dispersal in a social mammal. Nature 448: 798–801, 2007.

Glickman SE et al. Mammalian sexual differentiation: lesson from the spotted hyena. Trends in Endocrinology & Metabolism. 17:9, 2006.